(*) Ana Catarina Lima Silva, MSc
Estamos assistindo um momento em que estão ocorrendo vários retrocessos na agenda ESG, por exemplo (QUESADA, 2025; REDAÇÃO BRASIL, 2025):
- redução de investimentos em sustentabilidade e posturas contrárias a regulamentações climáticas por empresas como Meta, Amazon, McDonald’s (EUA), Walmart e Boeing;
- dos 5 maiores bancos de Wall Street e a BlackRock também recuando;
- outros fatos que estamos vendo nessa posse do novo governo dos EUA.
Em paralelo, os desafios climáticos, sociais e de governança continuam aí batendo a nossa porta. É nesse contexto que surgem novas oportunidades para análise, posicionamento e ação.
Inclusive, há alguns posicionamento interessantes e positivos surgindo. De acordo com José Pugas, diretor de sustentabilidade da Régia Capital Asset (QUESADA, 2025), a pauta ESG deve continuar forte globalmente. No dia 22 de janeiro de 2025 foi publicada uma matéria no jornal O Estado de São Paulo (DORNA, 2025) em que o CEO da Tetra Pak do Brasil afirma que a “gestão Trump não altera metas de descarbonização da companhia”, e ele não vê como haver retrocesso no movimento de sustentabilidade da empresa.
Considero que o alento mais significativo neste contexto complexo foi a carta publicada no dia 21 de janeiro de 2025 pela Natura, que reforça seu compromisso com a agenda ESG reforçando que
“Não há mais tempo para retrocessos “.
A reportagem e carta saíram em artigo na revista exame. Um ponto que me chamou muito positivamente a atenção, e que vale destacar, foi a frase nesta carta em que a Natura registra que “Também nos desafiamos a ser, nas próximas décadas, um negócio regenerativo, indo além da compensação de impactos negativos para passar a gerar resultados positivos sistêmicos para as pessoas e para a natureza.” (BRANDÃO, 2025)
Ou seja, além de não retroceder na agenda ESG, a empresa ainda propõe um avanço significativo na posição de ter o compromisso de ser um negócio regenerativo!
Vale entendermos a questão do Regenerativo e do que está ocorrendo no mercado sobre isso:
- Erlana Castro tem liderado um grupo de pesquisas que trouxe uma proposição muito interessante para se pensar negócios regenerativos e lucrativos ao mesmo tempo, em que foi feita uma releitura do Business Model Canvas com esse olhar regenerativo, denominado de Business Model (RE)Generation Canvas (BMRC) . Essa abordagem integra uma perspectiva prática de modelagem de negócios, inovação, estratégia criativa e ESG associada à visão e práticas regenerativas de negócio.
- Há a visão da liderança regenerativa também, muito interessante, em que uma ótima referência passa pelo livro “Liderança Regenerativa – O DNA de organizações que afirmam a vida no Século 21”, de Laura Storm e Giles Hutchins.
- Também há publicações e trabalhos na linha do Design Regenerativo. Uma outra referência é o livro “Design de Culturas Regenerativas”, de Daniel Wahl.
São alguns rápidos e significativos exemplos. Até recomendo de modo complementar a postagem do amigo Allan Rocha, que faz uma reflexão e apresenta de modo didático uma explicação do que é ter atitude e operar de modo regenerativo (link).
E ainda precisamos entender antes: o que é um negócio regenerativo?
De modo mais geral, pode-se dizer que:
Um Negócio regenerativo é aquele que não apenas reduz ou compensa os impactos negativos de suas atividades, mas gera impactos positivos, sistêmicos, que proporcionam e promovem a regeneração e fortalecimento nos aspectos ambiental, social e econômico.
Vai além da sustentabilidade, busca restaurar, renovar e revitalizar os recursos naturais e sociais utilizados, criando valor de maneira integrada para todas as partes envolvidas.
Portanto, precisamos expandir essa conversa, aprofundar sobre esse tema quando falamos em negócios e também em nosso contexto social. É importante compreender as possibilidades e desafios, e até buscar entendimento e prática do regenerativo em suas várias dimensões: negócios, liderança, e também PROCESSOS.
E justamente quase 1 ano depois de minha publicação “Estamos com problema nas práticas de processos e na adoção de BPM?”, talvez coincidentemente, eu venho com outra provocação: BPM precisa avançar, Processos precisam avançar. E porque não evoluirmos na perspectiva mais ampla, trazendo essa questão do regenerativo para o âmbito dos processos e de BPM?
E tem um motivo importante:
Um negócio só será regenerativo se os processos também estiverem preparados e organizados neste sentido!
E essa questão e envolve também diversas dimensões interrelacionadas (pessoas, tecnologias, métodos, sociedade, gestão, governança, tecnologia, inovações, meio ambiente). Ou seja, temos que pensar em Processos Regenerativos!
E BPM não está nessa linha? Este é o desafio! Por exemplo, embora o conceito de Green BPM exista há anos, sua aplicação ainda é limitada entre os profissionais de processos. Quantos profissionais de BPM e processos já ouviram falar? E mesmo os poucos que ouviram falar, quantos tiveram a oportunidade de trabalhar nessa abordagem? E um detalhe, Green BPM foca em sustentabilidade, não na questão do regenerativo.
O gerenciamento de processos de negócio da forma como está constituído hoje é praticamente o que foi definido há mais de 20 anos (estou falando dos fundamentos, não da tecnologia – que evoluiu muito)… Mas o mundo mudou, não somente as tecnologias mudaram. A gestão mudou, conceitos e praticas evoluíram, o contexto econômico e geopolítico mudou também.
Temos hoje uma gama de desafios e requisitos que BPM não é suficiente para alcançar em sua plenitude sem essa visão integrada, sistêmica, ampla sobre a questão da necessidade atual do alinhamento das práticas de gestão de processos com os atuais e futuros desafios. É necessário pensarmos cada vez mais em negócios regenerativos e evoluir como tendência cada vez mais forte no mercado.
Então quer dizer que BPM e processos como temos hoje não serve mais? Não. Quer dizer que precisamos romper e evoluir para uma visão em que as práticas de processos e gestão de processos estejam alinhadas contribuindo efetivamente para os negócios sejam regenerativos.
E como isso deve acontecer? Este é o desafio da disrupção. Inicia com o entendimento mais profundo do que é o regenerativo, de de pensarmos e agirmos regenerativamente, entendendo, desafiando, experimentando, evoluindo e adotando práticas que sustentem um número cada vez maior de negócios regenerativos. Ou seja, essa resposta é um grande desafio que já estamos enfrentando!
E essa conversa está só começando…
REFERÊNCIAS
- BRANDÃO, Raquel. Em meio a onda anti ESG, Natura reforça compromissos: “Não há mais tempo para retrocessos”. Seção ESG. Revista Exame. 21/01/2025 < Link https://exame.com/insight/em-meio-a-onda-anti-esg-natura-reforca-compromissos-nao-ha-mais-tempo-para-retrocessos/p >
- QUESADA, Beatriz. Recuo em agenda ESG nos EUA cria oportunidade ao Brasil, vê maior gestora na área. Bloomberg Green. Bloomberg Línea. 2025 <link https://www.bloomberglinea.com.br/2025/01/23/recuo-em-agenda-esg-nos-eua-cria-oportunidade-ao-brasil-ve-maior-gestora-na-area/>
- DORNA, Marco. Não haverá retrocesso na agenda de sustentabilidade. Caderno Negócios. O Estado de São Paulo, 22/01/2025.
- REDAÇÃO BRASIL. O mercado sob a agenda anti-ESG. Bloomberg Green. Bloomberg Línea. 2025 <link https://www.bloomberglinea.com.br/2025/01/23/o-mercado-sob-a-agenda-anti-esg/
(*) Ana Catarina Lima Silva: Profissional que adora desafios, e gosta de atuar na interseção da tecnologia, governança, processos, pessoas, estratégia e educação. Formada em Ciência da Computação pela UFMG. Durante o mestrado em Administração na UFMG (2000), realizou uma transição de carreira de gerente de linha de softwares para o mundo de processos e BPM. Umas das pioneiras em BPM. Criou a primeira especialização em BPM em Minas (e uma das primeiras no Brasil), pela PUC Minas, em 2007 e, posteriormente, publicou livro também sobre BPM. Também participou da escrita de livros coletivos na Jornada Colaborativa. Empreendedora e atua como professora em instituições renomadas como a FDC – Fundação Dom Cabral (desde 2011) e PUC Minas. Na PUC Minas, tem criado e coordenado diversos cursos de pós-graduação e MBAs, sempre buscando conectar a academia e mercado nos mais diversos assuntos com os quais lida na vida profissional. Realiza trabalho voluntário em organizações sem fins lucrativos há mais de 30 anos. Em instituições como a ABPMP Brasil, contribuiu para a melhoria da gestão de processos no Brasil atuando como gestora regional (MG) e diretora (BR). Atualmente tem atuado mais fortemente, além da linha de gestão e BPM, também em governança, mentorias e assessoria estratégica junto a empreendedores e profissionais.