Será que nos tornamos escravos da tecnologia?

Sérgio Bezerra Mendes (*)

Recebi uma reportagem sobre o uso exagerado dos dispositivos móveis em um grupo de “WhatsApp”. Quem postou colocou a seguinte pergunta: “Estamos escravos da tecnologia?”.  Ao assistir a reportagem e ler a pergunta, passei a refletir sobre o assunto, lembrando de outras reportagens mostrando o uso excessivo de dispositivos móveis (celulares e tablets), inclusive por crianças.

Lembrei que escuto esta história (“somos escravos da tecnologia”) há anos. Mas será que nos tornamos escravos da tecnologia mesmo? Ou somos escravos do mau uso da tecnologia? Sou adepto desta segunda teoria. E posso me basear em mais de 30 anos de experiência com tecnologia. Vou colocar abaixo um pouco da minha experiência para embasar meus argumentos.

Comecei a trabalhar com tecnologia no início da década de 80, quando era estudante de Engenharia Elétrica. Meu irmão mais velho, concludente do curso de Engenharia Civil, ganhou em um sorteio um TK fabricado pela Microdigital (usávamos gravando os programas em um gravador de fita cassete e ligando a saída do microcomputador na tv preto e branco). No início usávamos como um console de jogos. Mas logo percebemos que daria para usar para resolver problemas na universidade, nas disciplinas de engenharia elétrica e civil, usando a linguagem “Basic”. Esta foi minha primeira experiência com a tecnologia, usando para resolver problemas práticos e não apenas para brincar. A partir daí compreendi que a tecnologia pode (e deve) ser usada em benefício do ser humano, para facilitar sua vida e não o contrário.

Ao ingressar no mercado de trabalho, já no final da década de 80, já levava este dogma comigo. Quando fui contratado em uma empresa de engenharia consultiva exatamente para unir o “know how” da engenharia com a tecnologia, usei esta mesma cultura desenvolvida anos atrás, e aperfeiçoada na universidade: buscar soluções que ajudassem nossa área de negócios a ser mais produtiva, reduzir custos e melhorar nossos processos (quando nem se falava ainda em gestão de processos). Conseguimos, por exemplo, reduzir o tempo gasto em cálculos elétricos de dias para alguns minutos, apenas desenvolvendo um sistema para cálculos elétricos que guardava as simulações em bancos de dados, permitindo refazer as simulações sem nenhum retrabalho. Tivemos outros projetos, onde automatizamos processos, colocando o computador para trabalhar para nós, e não o contrário.

Para aqueles adeptos das planilhas, usadas de forma equivocada para automatizar processos, fazer gestões e controles, naquela época (final da década de 80/início da década de 90), já existiam planilhas eletrônicas (A famosa Lotus 1-2-3® e Supercalc®. Inclusive aquela planilha que veio dominar o mercado posteriormente tinha uma funcionalidade “camaleão”, pois o usuário poderia manter a mesma interface e comandos da planilha Lotus 1-2-3). Naquela época não existiam sistemas CAD 3D (o Brasil estava engatinhando ainda no CAD 2D), nem redes integrando computadores, muito menos internet. Mas usávamos a tecnologia existente de maneira correta, permitindo um ganho significativo.

Buscar soluções que ajudassem nossa área de negócios a ser mais

Quando fui trabalhar no projeto de expansão de uma grande indústria de papel e celulose, continuei aplicando esta mesma filosofia de sempre buscar soluções para reduzir custos/desperdícios, melhorar processos e aumentar a produtividade. Desenvolvi sistemas, compostos por 9 módulos integrados para gerenciar todos os processos fundamentais para a equipe do gerenciamento da expansão, como gestão do orçamento, gestão da compra de materiais e equipamentos, levantamento de necessidade de materiais elétricos e tubulação, gestão de documentos, gestão do almoxarifado, etc. Estes sistemas eram utilizados para gerenciar projetos com orçamentos superiores a US$ 200 milhões e geraram uma enorme economia (cerca de 10% do orçamento inicial e 3 meses de antecipação do prazo final de partida da fábrica expandida).

Após esta experiência, criei minha própria empresa nos meados da década de 90 e continuei atuando no mercado ajudando empresas a reduzir custos, a serem mais produtivas e eficientes, através da tecnologia da informação, automatizando processos, eliminando retrabalhos, garantindo maior assertividade nos processos. Já foram mais de 300 empresas com soluções implementadas que proporcionaram benefícios significativos para estas organizações, que continuam nossos clientes fiéis há mais de 20 anos.

Portanto quando se usa corretamente a tecnologia, não nos tornamos “escravos”. Obviamente gera-se uma “dependência”, porém enxergo como uma relação positiva, pois a tecnologia, bem empregada, permite uma melhor qualidade de vida para o ser humano. Imaginem se não houvesse desenvolvimento tecnológico na medicina, nos meios de transporte, na comunicação, na própria tecnologia da informação. Vamos refletir pouco sobre a tecnologia que existia no início do século 20 comparando com o que nós temos acesso hoje. Para fazer uma simples reunião em outra cidade, teria que fazer um deslocamento que hoje seria absolutamente desnecessário, pois muitas reuniões podem ser feitas via vídeo conferência, cada dia mais barata e mais simples. Imaginemos o mundo atual sem aviões a jato, computadores, celulares, comunicação de alta velocidade, softwares, etc.

Quando se usa corretamente a tecnologia, não nos tornamos “escravos”.

E não posso deixar de falar sobre os diversos sistemas de gestão que temos acesso no mercado atualmente. Infelizmente, ainda hoje, existem pessoas nas organizações que não compreenderam que as empresas precisam manter o foco no seu “core business”.  Antigamente (no século passado, até o final da década de 90) ainda se justificava desenvolvimentos internos, ou seja, manter um departamento de informática para desenvolver sistemas sob medida (os famosos sistemas legados) ou mesmo usuários criarem sistemas baseados em “Access” ou mesmo planilhas. Porém hoje fazer um sistema de gestão, às vezes até para complementar o ERP (ou mesmo substituir) é algo inadmissível, é um enorme desperdício. Para quem não sabe, estudos apontam que os profissionais gastam no Brasil cerca de 30% a 50% do tempo procurando informações por falta de softwares adequados (as informações ficam espalhadas em diversos sistemas que não estão integrados, ou ainda em meio físico).

Hoje temos um celular com poder de processamento e capacidade de armazenamento muito superior aos mainframes da década de 80. Temos disponíveis nos dias de hoje (ao contrário da década de 80) redes de computadores, internet, computação em nuvem (“cloud computing”), etc, o que não faz sentido manter uma política de desenvolvimento de softwares interno ou de criação de “gambiarras” (como planilhas ou outros sistemas inadequados) para atender demandas que não são atendidas pelo ERP (quando existe um ERP. Muitas vezes empresas pequenas ainda usam planilhas para fazer a gestão da empresa), achando que economizará para a empresa, porém o que acontece é exatamente o contrário.

Para quem não sabe, estudos apontam que os profissionais gastam no Brasil cerca de 30% a 50% do tempo procurando informações por falta de softwares adequados (as informações ficam espalhadas em diversos sistemas que não estão integrados, ou ainda em meio físico).

É muito importante perceber alguns indicadores que mostram claramente que precisamos mudar esta cultura da “economia sem sentido” (para amenizar um pouco o termo que é usado no mercado). Estudos apontam que o trabalhador brasileiro alcança apenas ¼ da produtividade de um trabalhador americano e 1/3 do trabalhador europeu. Pesquisas mostram que o Brasil está em 78º. lugar no ranking da produtividade (em um universo de 124 países) e em 59º. lugar no ranking de competitividade (em um universo de 63 países conforme a última pesquisa publicada pelo IMD/FDC). Sabemos que vários fatores influenciam este resultado.

Segundo o Professor Carlos Arruda, da Fundação Dom Cabral, em uma entrevista para o Bom Dia Minas, fatores como a baixa eficiência do setor públicobaixa eficiência do setor privadobaixa qualidade da educação e o baixo investimento em tecnologia (e a tecnologia da informação está inserida neste item) provocam a baixa competitividade do Brasil. E o mal uso da tecnologia da informação (quando existe) nas organizações ocorre em empresas de todos os segmentos e todos os portes. Ledo engano quem imagina que apenas as pequenas empresas pecam por não investir corretamente ou não utilizar corretamente a tecnologia disponível atualmente. Existe ainda o paradigma que a tecnologia é cara. Isto não é verdade. A tecnologia já foi cara, e mesmo assim gerava resultados significativos (uma estação CAD, no final da década de 80, custava cerca de US$ 30 mil, sendo composta de 2 monitores e um computador 386 com uma licença do “Autocad” instalada).

Estudos apontam que o trabalhador brasileiro alcança apenas ¼ da produtividade de um trabalhador americano e 1/3 do trabalhador europeu. Pesquisas mostram que o Brasil está em 78º. lugar no ranking da produtividade (em um universo de 124 países) e em 59º. lugar no ranking de competitividade (em um universo de 63 países conforme a última pesquisa publicada pelo IMD/FDC).

A tecnologia da informação é fundamental para apoiar a implantação de diversas metodologias, frameworks e sistemas, como 6 Sigma, Sistema de Gestão da Qualidade, ITIL, COBIT, 5W2H, PDCA, MASP, Sincronismo Organizacional, BSC, PMBOK, CPBOK, etc. Sem softwares adequados, fica difícil implementar qualquer metodologia consagrada, de forma que proporcione um resultado significativo, ou no mínimo, satisfatório. Desta forma é fundamental sabermos usar a tecnologia de forma correta, a nosso favor, fazendo com que a tecnologia trabalhe para nós e não o contrário. Pense nisto!

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(*) Sérgio Bezerra Mendes – CEO na TNX Brasil, Prof. convidado da Fundação Dom Cabral, Diretor da ADCE-MG, com mais de 30 anos de experiência em gestão, atuando no fornecimento de soluções tecnológicas, reduzindo custos e desperdícios, melhorando processos e aumentando a produtividade nas organizações. Siga o autor: https://www.linkedin.com/in/sergiobtnx/

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