As políticas de diversidade e inclusão (DeI), que haviam ganhado força no pós-pandemia, podem estar sofrendo instabilidades no Brasil. O alerta é apontado pelo relatório “DeI sob pressão: adaptar, resistir ou desistir?”, da plataforma TeamHub. De acordo com o documento, 51% das empresas no País já realizaram ajustes em políticas internas da agenda devido a pressões políticas, sociais ou reputacionais.
O índice foi obtido por meio da entrevista com 120 líderes de alta gestão, incluindo presidentes, conselheiros e diretores, entre 10 e 28 de fevereiro de 2025. Segundo a pesquisa, a reação do setor empresarial tem relação com a crescente tensão sociopolítica do chamado movimento anti-DeI (também conhecido como “anti-woke”), que ganhou força nos Estados Unidos após decisões regulatórias como a da Suprema Corte americana em 2023, proibindo cotas raciais nas universidades.

A pressão do governo norte-americano, na figura de Donald Trump, em 2025, e a revisão de metas de diversidade em multinacionais como Meta e Google também ajudaram a influenciar nessa postura.
Ao mapear a influência do cenário político sobre as decisões empresariais, a pesquisa indicou que quase metade dos respondentes no Brasil (44%) reconhecem que o movimento “anti-woke” impacta diretamente suas estratégias de DeI.
Os ajustes que já foram realizados, na maior parte das vezes, foram sutis, indica o relatório. As mudanças pontuais vão desde reformulações nas políticas internas até a troca de termos como “diversidade e inclusão” por expressões consideradas mais neutras como “talento e cultura”. Foram relatados também casos em que metas afirmativas foram substituídas por discursos sobre meritocracia, sem compromissos explícitos de inclusão.
Crise de governança
Conselheira da TeamHub e porta-voz do estudo, a executiva Grazi Mendes avalia que a decisão de muitas empresas em alterar ou neutralizar sua abordagem em relação à diversidade não se dá por desconhecimento, mas por uma crise de governança. Enquanto 85% das lideranças reconhecem DeI como estratégia essencial para inovação e sucesso, 23% dizem que não é prioridade em suas empresas e outros 16,6% sequer sabem sobre isso.
“Essa lacuna (entre reconhecimento e prática) revela que há uma dissonância entre convicção individual e ação corporativa. Embora as lideranças reconheçam o valor estratégico da DeI, a transmissão dessa crença para decisões organizacionais encontra barreiras em fatores como resistência da alta gestão, desalinhamento entre discurso e prática e dificuldade de correlacionar DeI a resultados tangíveis.”

Outro dado apontado pelo relatório é que somente 54% das empresas discutem com frequência os riscos reputacionais envolvidos nas decisões relacionadas à diversidade. Esse aspecto é considerado por Mendes como um “alerta vermelho”.
“Em um cenário de alta exposição pública, não discutir risco reputacional é uma negligência estratégica. A ausência de preparo das lideranças gera consequências críticas, entre elas o desgaste de confiança social, já que consumidores e talentos diversos hoje buscam marcas com valores nítidos e postura firme”, diz. “Empresas que ignoram esses sinais estão mais vulneráveis a boicotes, perda de talentos e desgaste de marca.”
Avanço jurídico versus entrave cultural
Apesar do cenário de tensão, o Brasil é um dos países com legislação mais avançada em temas de equidade: da revalidação da Lei de Cotas à paridade salarial entre homens e mulheres, passando por diretrizes de acessibilidade e de combate à discriminação. Isso, no entanto, ainda não se mostrou tão consolidado na cultura corporativa no País, reforça a especialista.
Reprodução de: MSN