A difícil constatação de que o “seu bebê” é feio

(*) Danilo Talanskas

Gosto de todos os tipos de bebês, nas incontáveis visitas que minha esposa e eu fizemos a recém-nascidos nunca ouvimos alguém fazer qualquer comentário negativo que fosse. O “lindo”, “bonitinho”, impera em todas as frases. Entretanto as conversas de corredor da maternidade começam a revelar alguns “pequenos defeitos” e comparações. Ninguém, porém, tem coragem de comentar com a mamãe e será assim para o resto da vida.

É da natureza humana a dificuldade de autocrítica de algo que nós mesmos criamos, nossa “grande obra”, o nosso “bebê “, em qualquer campo de atividade!

Os gestores estão repletos de exemplos de quando assumiram novos cargos e causaram fortes mudanças e verdadeiras revoluções. Muito raramente ouvi a expressão “joguei fora o que criei, apesar de estar indo bem, mas havia um caminho muito melhor a seguir”.

Parece que sempre nos acompanha a afirmativa de que vivemos em fases de grandes mudanças. Passei a minha carreira ouvindo isso, mas agora é mais sério do que nunca. Não são mudanças, são “cataclismos transformadores” que varrem negócios, invertem o “market share” da noite para o dia (para cima ou para baixo), tornam produtos e serviços obsoletos e novas tecnologias transformam empresas em um piscar de olhos.

Nesse ambiente, o velho adágio de que “em time que está ganhando não se mexe”, já ficou para trás. Quando começar a empatar ou perder, vai dar tempo de “mexer”? Pode ser que sim, mas até lá vários jogos foram perdidos, arriscando o “campeonato”.

Este conceito de reconhecer que o seu “bebê é feio” não é novo. Jack Welch, o lendário CEO da GE nos tempos mais áureos da companhia, tinha uma verdadeira paixão por mudanças. Os executivos eram avaliados de forma pragmática em sua capacidade de mudanças e o resultado tinha um peso considerável no bônus anual. Conviver com esta gestão por dois ou três anos seria razoável, mas Jack Welch liderou a companhia por vinte anos! Se reinventar se tornou um modo de vida, mesmo com ótimos resultados operacionais.

A consequência foi uma verdadeira explosão de novos produtos e processos em todas as áreas. Foram trazidos acadêmicos de ponta do país, para ajudarem a criar novas práticas ainda não vistas no mercado. A companhia implementou processos pioneiros de gestão de pessoas, que grandemente impulsionaram o desempenho financeiro e a subida constante das ações. Como o sucesso cria um ciclo positivo e motivador, todo e qualquer nível de gestores pensavam em sempre introduzir mudanças no que faziam. Sou uma testemunha disso, pois vivi nesse ambiente por dez anos.

O grande desafio, porém, é mudar toda uma cultura de uma organização, mas o exemplo sempre vem do topo, com as ferramentas que apoiem esta jornada. Não adianta apenas desejar e anunciar.

Outra experiência marcante que tive foi durante uma reunião anual em Nova York, em outra companhia que trabalhei. Fiquei um pouco cético quando anunciaram o palestrante convidado. Seria Boris Kasparov, enxadrista russo e ex-campeão mundial, vivendo agora nos Estados Unidos sendo um forte dissidente do governo de seu país natal. “No mínimo vai aumentar minha cultura geral”, pensei, “sem efeito prático no meu trabalho”.

Estava redondamente enganado. Aprendi muito naquele dia, mas a frase mais marcante dele foi: “Meus maiores obstáculos são as minhas próprias vitórias e preciso me reinventar cada vez que venço uma partida, pois o mundo inteiro já conheceu aquela estratégia de jogo”. Inovar não é uma resposta a uma necessidade ou emergência. É uma atitude profissional permanente.

Esta atitude geralmente começa com a constatação de que o nosso “bebê” não é tão bonito quanto parece para nós. Enfrentamos o primeiro e mais difícil desafio, que é o desapego por aquilo que criamos, pois, o pensamento inicial é sempre de “ajustes técnicos” no que já existe, enquanto que a real barreira está em nosso próprio ego.

Estes grandes impactos são muito visíveis em áreas técnicas. Marco Basso, grande amigo e um ícone em tecnologias de inovação deu-me alguns exemplos de mudanças  tecnológicas em áreas que já funcionam bem na forma atual, porém não estão “mexendo no time que está ganhando”:  modernas salas de controle podem ser substituídas por tablets ou óculos de visão 3D, frotas de aviões de pulverização substituídos por drones, o uso da interconexão direta via satélite, substituindo completamente as operadoras de telefonia e provedores locais, a utilização de “Bots” (robôs) no chão de fábrica para esclarecimentos de dúvidas de processo e de manutenção… a lista é  infindável!

A constante autocrítica e questionamentos de novas oportunidades não se restringem à tecnologia. Podem estar em processos de vendas, estratégias de compras e logística, sistemas de atendimento a clientes, formas de recrutamento e seleção, estratégias mercadológicas, indo até a abordagem legal de um escritório de advocacia. A grande pergunta seguida da resposta é a seguinte: “Fui eu quem criou? Vou questionar sempre!!”.

No passo seguinte, é necessário definir os agentes de mudança. Em muitos casos pode ser através de uma consultoria externa (tive boas experiências com isto). Pode-se também trazer para o grupo um membro que alavanque mudanças. Por outro lado, acredito muito na capacidade de uma equipe que realmente quer mudanças e no poder do “brain storming”. Em uma ocasião o nosso time diretivo precisava de inovações drásticas em tecnologias e processos de atendimento a clientes. Para cada um foram dados alguns temas de pesquisas sobre o assunto. Ao nos reunirmos de volta, tínhamos um riquíssimo material para discussão e as decisões foram tomadas na opção que melhor nos atendia.

Formamos um comitê de implementação, que começou com várias visitas de “benchmark” (companhias que tinham o que buscávamos). Estabelecemos um plano de ação e em seis meses tivemos tudo implementado com muito sucesso.

Maquiavel já dizia: “Uma mudança deixa sempre patamares para uma nova mudança”. A diferença entre o bebê da maternidade e o “seu bebê” é que o primeiro, continuará bonito e vai mudar devagar, no seu próprio tempo. No segundo, é o ambiente, o mercado, os concorrentes e tecnologias que mudam à velocidade da luz. O grande risco é você achar que o “seu” permanecerá “lindo” para sempre!

Por que você pode confiar neste artigo       

Danilo Talanskas* Autor do livro Lições de Guerra – Vencendo as Batalhas de Sua Carreira, foi o CEO de três multinacionais: GE Healthcare, Rockwell Automation e Elevadores Otis. Em paralelo à sua carreira como executivo, atuou como palestrante e professor em cursos de pós-graduação nas áreas de Estratégia, Ética e Negócios Internacionais. Nos últimos anos fez parte de conselhos de administração, conselhos consultivos e assessora empresas. É formado em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com MBA pela Universidade de Brigham Young (EUA) e é mestre em Administração pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Atualmente assessora a Fernandez Mera Negócios Imobiliários Ltda. Acompanhe o autor

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