Governança Corporativa, Propósito e Capitalismo Consciente

Qual é o propósito maior de uma empresa? Como ele se relaciona com a governança corporativa e os pilares do Capitalismo Consciente?

(*) Francine Póvoa 

A governança corporativa evoluiu significativamente nos últimos anos, acompanhando a evolução da própria sociedade e os novos desafios que se apresentam. O conceito de governança expandiu seu foco original na otimização de valor econômico aos sócios para o objetivo de geração de valor compartilhado entre esses e as demais partes interessadas de uma organização, ou seja, colaboradores, clientes, fornecedores, sócios ou acionistas, órgãos reguladores e também o planeta. Essa nova perspectiva reconhece a interdependência entre as organizações e as realidades econômica, social e ambiental em que estão inseridas, ou seja, as questões ESG, o que demanda uma nova forma de gerir os negócios e um novo perfil de liderança.

Neste contexto, um conceito que está ganhando força no mundo empresarial nos últimos anos é o de propósito organizacional. Em 2020, o Fórum Econômico Mundial divulgou o relatório “Measuring Stakeholder Capitalism”, em que reforçou os quatro pilares do capitalismo de stakeholders: governança, pessoas, planeta e lucro. E a partir destes pilares foram identificadas métricas que devem ser acompanhadas pelas empresas. Dentro do pilar da governança, a primeira métrica é o propósito organizacional. O propósito deve definir como uma empresa cria valor ao abordar soluções para questões econômicas, ambientais e sociais e garantir que não esteja lucrando com a criação de problemas nessas questões. A supervisão das prioridades escolhidas por uma empresa em termos de questões econômicas, ambientais e sociais requer um entendimento claro e a articulação do propósito da empresa. Quanto mais as empresas conseguirem vincular seu propósito ao negócio principal, melhor poderão gerar valor de longo prazo para todas as partes interessadas, inclusive os acionistas.

Aqui no Brasil, uma importante referência em termos de governança corporativa é o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, que atualizou recentemente sua principal publicação, o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. Em sua 6ª edição, a ser lançada em agosto, o novo código reforça a importância de as organizações definirem seu propósito, ou seja, sua razão de existir, esclarecendo que o propósito diz respeito às oportunidades ou necessidades que a organização pretende atender, seja por meio de produtos, serviços ou causas. Ele não apenas direciona a estratégia da organização, como orienta seus valores e cultura, servindo de bússola para um processo decisório estratégico ancorado em decisões éticas. A definição e a vivência diária de um propósito favorecem a geração e proteção de valor tangível e intangível, contribuindo positivamente para a reputação da organização, a confiança e o engajamento de todas as partes interessadas.

Na abordagem do Capitalismo Consciente, ter um propósito maior é o ponto de partida para um negócio consciente, e um de seus quatro pilares, além de liderança consciente, orientação para stakeholders e cultura consciente. O propósito está relacionado a reconhecer o que torna a empresa verdadeiramente única e de qual maneira ela poderá servir ao mundo. No processo de descoberta do propósito organizacional três perguntas devem ser feitas, inicialmente pela alta liderança, e depois compartilhadas com todos os colaboradores: que diferença queremos fazer no mundo com nosso negócio? O mundo fica melhor com a nossa presença? Sentirão nossa falta se deixarmos de existir? O propósito fornece significado, energia e relevância para uma empresa e sua marca, e atua como um verdadeiro imã, atraindo para o negócio as pessoas que se sentem conectadas a ele, como colaboradores, clientes, fornecedores e investidores. Os colaboradores veem um sentido maior no trabalho que realizam e se engajam verdadeiramente. Os clientes se sentem respeitados, cuidados e atendidos em suas necessidades. Os fornecedores se sentem valorizados como parceiros na construção de algo maior. Os investidores sentem que estão investindo em algo que realmente poderá fazer a diferença para a sociedade.

Voltemos ao conceito de governança corporativa: um sistema formado por princípios, regras, estruturas e processos pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, com vistas à geração de valor sustentável no longo prazo para a organização, seus sócios e a sociedade em geral. Esse sistema baliza a atuação dos agentes de governança e suas relações com as demais partes interessadas e será bem-sucedido se amparado no propósito, valores e cultura da organização, e na busca pelo equilíbrio entre as demandas de todas as partes interessadas e os impactos da organização para a sociedade em geral e o meio ambiente.

Em tempos tão complexos como os que estamos vivendo, para resolver nossos desafios coletivos precisamos de uma nova visão sobre o papel das empresas na sociedade e um olhar muito mais profundo para a governança corporativa, extrapolando a visão limitada de um checklist a ser cumprido, para uma visão ampliada do propósito organizacional como eixo da governança, que irá favorecer com que as empresas de fato gerem valor para todos os stakeholders.

 

(*)Conselheira da Filial Regional do Capitalismo Consciente em Belo Horizonte, Diretora da Legacy4Business, Vice-coordenadora do Capítulo Minas Gerais do IBGC e Professora convidada da Fundação Dom Cabral. (francinepena@legacy4business.com.br)

 

Reprodução de Diário do Comércio 

 

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